O Teste de Bechdel: Mais que um Crivo, um Espelho do Cinema

Em meio à vasta tapeçaria de narrativas cinematográficas, um critério peculiar e, ao mesmo tempo, revelador emergiu para questionar a forma como as mulheres são retratadas nas telas: o Teste de Bechdel. O que parece ser uma régua simples para medir a presença feminina vai muito além, funcionando como um espelho que reflete as profundas desigualdades de gênero ainda presentes na indústria do entretenimento global.
Uma Ideia que Nasceu nos Quadrinhos
A história do Teste de Bechdel remonta a 1985, quando a cartunista norte-americana Alison Bechdel o introduziu em uma tira de sua aclamada série “Dykes to Watch Out For”. A inspiração, no entanto, veio de uma conversa com sua amiga Liz Wallace e, mais profundamente, das observações da escritora Virginia Woolf em seu ensaio “Um Teto Todo Seu” (ou “A Room of One's Own”), que criticava a forma como personagens femininas na literatura frequentemente existiam apenas em relação a homens.
Na tira, uma das personagens expressa uma regra para escolher filmes para assistir: eles deveriam ter pelo menos duas mulheres, que conversassem entre si, e o assunto da conversa não poderia ser sobre homens. O que começou como uma piada bem-humorada, ironizando a sub-representação feminina em Hollywood, rapidamente se transformou em uma ferramenta séria e amplamente debatida.
Os Três Pilares da Aprovação
Para um filme passar no Teste de Bechdel, ele deve satisfazer três critérios simples:
A simplicidade desses requisitos é precisamente o que torna o teste tão impactante. Ao aplicá-lo, percebe-se que uma quantidade surpreendentemente alta de produções cinematográficas, incluindo muitos blockbusters, falha em atendê-los, revelando um desequilíbrio na narrativa e na importância dada às vozes femininas.
O Teste como Lente de Análise
É crucial entender que o Teste de Bechdel não é uma medida de qualidade cinematográfica nem um selo automático de “filme feminista”. Um filme pode passar no teste e ainda assim conter elementos sexistas, ou, inversamente, pode falhar e ser uma obra com personagens femininas fortes e complexas.
Sua verdadeira função é servir como um indicador da presença ativa de mulheres na ficção e chamar a atenção para a desigualdade de gênero predominante. Ele nos convida a questionar: por que tantas histórias parecem não conseguir apresentar duas mulheres com nomes conversando sobre algo que não seja a vida amorosa ou um personagem masculino? Por que as narrativas sobre mulheres, suas carreiras, amizades, desafios e vitórias são tão escassas?
A relevância do teste se reflete em sua adoção prática. Em 2013, cinemas na Suécia, por exemplo, começaram a identificar filmes que passavam no teste com um selo, e o Brasil foi o primeiro país da América Latina a abraçar essa iniciativa.
Reflexões e Novos Horizontes
Embora o Teste de Bechdel tenha suas limitações e tenha sido alvo de críticas por sua simplicidade, ele abriu portas para um diálogo mais amplo sobre representatividade. Pesquisas, como as conduzidas pelo Instituto Geena Davis, continuam a evidenciar a sub-representação e a estereotipagem das mulheres no cinema e na televisão.
A partir dele, outros testes foram desenvolvidos para analisar a diversidade em diferentes aspectos. O Vito Russo Test, por exemplo, foca na representação de personagens LGBTQ+. O Teste Mako Mori (nomeado em homenagem a uma personagem do filme Círculo de Fogo), questiona se uma personagem feminina tem um arco narrativo que não se resume a apoiar a história do protagonista masculino.
O Teste de Bechdel, portanto, é mais do que uma série de perguntas; é um catalisador para a conscientização. Ele nos desafia a olhar criticamente para o que consumimos, a cobrar mais diversidade e a incentivar a criação de histórias onde as mulheres sejam protagonistas de suas próprias narrativas, com vozes e propósitos que transcendam a órbita masculina.
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