Sindicatos Pressionam Estados para Frear IA no Local de Trabalho

A ascensão vertiginosa da Inteligência Artificial (IA) no ambiente de trabalho está redefinindo indústrias e a rotina de milhões de pessoas. No entanto, essa revolução tecnológica não vem sem desafios. Sindicatos e organizações trabalhistas em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e, com crescente vigor, no Brasil, estão na linha de frente para garantir que a inovação não custe os direitos, a dignidade e a segurança dos trabalhadores. A batalha por uma regulamentação justa da IA no local de trabalho está se intensificando, com a pressão focada nos legislativos estaduais e discussões em âmbitos nacionais e internacionais.
A Nova Frente de Batalha: Sindicatos Contra o Algoritmo
As preocupações dos sindicatos com a IA são múltiplas e profundas. No cerne, está o temor de deslocamento massivo de empregos, à medida que algoritmos assumem tarefas tradicionalmente realizadas por humanos. Além disso, a capacidade da IA de monitorar a produtividade, analisar comportamentos e até mesmo influenciar decisões de contratação, demissão e promoção levanta sérias questões sobre privacidade, vigilância e potencial de discriminação algorítmica. Uma pesquisa Gallup, por exemplo, revelou que cerca de um terço dos trabalhadores americanos se preocupa com a redução de oportunidades de emprego devido à IA.
A American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO), uma das maiores federações sindicais dos EUA, que agrupa 63 sindicatos nacionais e internacionais, lançou uma força-tarefa nacional para colaborar com legisladores estaduais. O objetivo é desenvolver leis que regulem a automação e a IA para proteger os trabalhadores. O movimento sindical argumenta que é imperativo intervir para salvaguardar os trabalhadores contra a perda de empregos e a violação de direitos trabalhistas. A tecnologia já se tornou um ponto de discórdia em disputas trabalhistas, como as greves de roteiristas em Hollywood em 2023.
Estados na Vanguarda da Regulamentação
Com a derrota de uma proposta federal que visava proibir os estados de regulamentar a IA por uma década, o caminho foi aberto para que as unidades federativas atuassem. Diversos estados americanos estão liderando a discussão e a implementação de legislações:
- Califórnia: A poderosa California Labor Federation está patrocinando projetos de lei que buscam limitar o monitoramento por IA e proibir a dependência exclusiva de softwares de IA para decisões críticas como demissões ou ações disciplinares. Tais propostas exigiriam revisão humana para essas decisões e baniriam o uso de ferramentas que preveem comportamentos, estados emocionais ou personalidade dos trabalhadores. Além disso, a California Civil Rights Council (CalCRC) aprovou regulamentações que entrarão em vigor em 1º de outubro de 2025, restringindo o uso de ferramentas de IA em decisões de emprego. As novas regras se aplicam também a algoritmos que geram impacto adverso em grupos protegidos, mesmo sem intenção discriminatória.
- Nova York: O estado aprovou a “LOADinG Act” (Legislative Oversight of Automated Decision-making in Government), que exige a supervisão do uso de IA por agências estaduais, protegendo os funcionários públicos de serem substituídos pela tecnologia. A lei também garante que o uso de IA não afete os direitos e privilégios dos funcionários conforme os acordos de negociação coletiva. Há ainda propostas de leis estaduais que buscam fechar lacunas na Lei de Auditoria de Viés de IA da Cidade de Nova York (Local Law 144), permitindo que trabalhadores processem tanto empregadores quanto desenvolvedores de tecnologia por violações.
- Oregon: A Oregon Nurses Association apoiou um projeto de lei que proíbe a IA de usar o título “enfermeiro” ou abreviações associadas, protegendo a integridade profissional da categoria.
- Massachusetts: O sindicato Teamsters está apoiando uma lei que exigiria a presença de um operador humano de segurança em veículos autônomos, efetivamente restringindo viagens totalmente sem motorista.
A Perspectiva Brasileira: Um Debate em Construção
No Brasil, o debate sobre a Inteligência Artificial no trabalho também ganha tração. Entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação (SINTTEC) estão monitorando de perto o PL 2338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, que busca estabelecer um marco legal para a IA no país. Para essas entidades, a regulamentação é crucial para proteger os trabalhadores de impactos como o desemprego tecnológico, os vieses algorítmicos em processos seletivos e avaliações, e a falta de transparência nas decisões tomadas por IA.
Antônio Lisboa, Secretário de Relações Internacionais da CUT, destaca que as tecnologias devem servir à humanidade, mas a IA, assim como outras inovações, tem concentrado poder geopolítico e financeiro. Ele ressalta a necessidade de aprofundar o debate sobre os impactos da IA na vida humana, incluindo a negociação coletiva e a participação dos trabalhadores na elaboração e monitoramento de políticas públicas.
Desafios e Oportunidades: O Dilema da Inovação
Embora as preocupações sejam válidas, é inegável que a IA também oferece oportunidades para aprimorar o ambiente de trabalho. A Microsoft, por exemplo, em parceria com a AFL-CIO, busca desenvolver a IA de forma a antecipar as necessidades dos trabalhadores, incorporando suas perspectivas e expertise no desenvolvimento da tecnologia. A chave reside em utilizar a IA para aumentar as capacidades humanas, e não para diminuir a autonomia ou substituir a mão de obra indiscriminadamente.
No entanto, a implementação da IA sem salvaguardas pode intensificar a vigilância, desqualificar o trabalho e aumentar o poder gerencial sobre os trabalhadores, especialmente em um cenário onde as normas trabalhistas e os sindicatos ainda buscam estratégias eficazes para essa nova realidade. A garantia de novos direitos, como a recusa de tarefas não aprovadas e o direito à desconexão digital, torna-se essencial.
O Caminho à Frente: Negociação Coletiva e Políticas Públicas
O movimento sindical global reconhece que a regulamentação da IA não será um esforço isolado. Será necessária uma abordagem multidimensional, combinando instrumentos internacionais, regulações nacionais e, fundamentalmente, micro-regulações via negociação coletiva. Liz Shuler, presidente da AFL-CIO, afirma que a era da IA pode catalisar uma nova era de parcerias produtivas entre trabalhadores e gestão, desde que a voz dos trabalhadores seja central no desenvolvimento, implantação e regulamentação da IA.
O futuro do trabalho com IA dependerá da capacidade de governos, empresas e sindicatos de colaborar para criar um arcabouço que promova a inovação responsável, proteja os direitos trabalhistas e assegure que a tecnologia sirva ao bem-estar humano, e não o contrário. A luta pela regulamentação da IA em nível estadual é um passo crucial para moldar esse futuro.
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