Sonhos de IA da Malásia: Refém da Guerra Tecnológica EUA-China?

Sonhos de IA da Malásia: Refém da Guerra Tecnológica EUA-China?

A Malásia, uma nação do Sudeste Asiático conhecida por seu papel crucial na cadeia de suprimentos global de semicondutores, sonha alto em se tornar um centro de inteligência artificial. Com planos ambiciosos de impulsionar sua economia digital e se transformar em uma nação de alta tecnologia até 2030, o país investe pesadamente em infraestrutura e desenvolvimento de talentos. No entanto, esses sonhos se chocam com a crescente e implacável guerra tecnológica entre os Estados Unidos e a China, colocando a Malásia em uma posição delicada, equilibrando oportunidades e riscos.

A Ambição Digital da Malásia

Kuala Lumpur não está apenas assistindo à revolução da IA; está determinada a ser parte ativa dela. Em 2022, o país lançou seu Roteiro Nacional de Inteligência Artificial (AI-Rmap 2021-2025), um documento estratégico que visa impulsionar a aplicação da IA em setores-chave como agricultura, saúde, cidades inteligentes e educação. O governo malaio, por meio do Escritório Nacional de IA (National AI Office - NAIO), demonstra um compromisso renovado com a construção de um ecossistema robusto de IA, estendendo seu foco também para pequenas e médias empresas. A iniciativa MyDIGITAL Economy Blueprint, lançada em 2021, reforça essa visão, buscando uma nação digitalmente avançada e líder na economia digital regional, com a IA como um dos pilares centrais.

Essa ambição se manifesta em investimentos significativos, atraindo gigantes da tecnologia como Google, Microsoft e Nvidia para estabelecerem centros de dados no país. A empresa-mãe chinesa do TikTok, ByteDance, também prometeu investimentos substanciais, destacando a atração da Malásia para empresas de ambos os lados da rivalidade tecnológica. Programas como 'AI for My Future', em parceria com a Microsoft, e 'AI@Work', com a Google, buscam capacitar centenas de milhares de malaios e funcionários públicos em ferramentas de IA, sublinhando o foco na formação de talentos.

O Xadrez Geopolítico e a Malásia no Centro

A neutralidade histórica da Malásia tem sido um trunfo. No contexto da guerra tecnológica entre EUA e China, o país se posiciona como um terreno neutro, atraindo investimentos de companhias que buscam diversificar suas cadeias de suprimentos e mitigar os riscos associados ao conflito. Essa estratégia não apenas fortalece a resiliência econômica da Malásia, mas também a consolida como um destino preferencial para empresas de tecnologia que procuram recalibrar suas operações globais. Grandes players como Intel, Texas Instruments e Micron têm expandido sua presença na Malásia, ao mesmo tempo em que o país mantém um forte relacionamento comercial com a China no setor de semicondutores.

A Vitalidade dos Semicondutores

A indústria de semicondutores da Malásia é uma peça-chave nesse cenário. Tradicionalmente forte nas etapas de montagem, teste e embalagem (o chamado back-end), o país detém uma parcela significativa do mercado global de serviços de embalagem de chips. No entanto, a guerra tecnológica impulsionou a Malásia a buscar uma transição para segmentos de maior valor, como o design e a fabricação de chips. Um exemplo notável é o acordo com a empresa britânica Arm Holdings, que visa acelerar a entrada da Malásia na cadeia de valor do design de chips. Essa mudança é vista como crucial para reduzir a dependência de chips de IA importados e fortalecer a posição da Malásia como um hub regional de semicondutores, especialmente no estado de Penang, que se tornou um polo de investimentos estrangeiros.

Os Desafios e as Escolhas Difíceis

Apesar das oportunidades, a Malásia não está imune às pressões. As restrições à exportação de chips de IA avançados impostas pelos EUA, particularmente em relação aos chips de ponta da Nvidia, ameaçam paralisar as ambições de IA da Malásia, visto que o país depende da importação desses componentes de fontes como China, Taiwan e EUA. Há relatos de que a Malásia tem sido pressionada por Washington para conter o fluxo suspeito de chips avançados para a China via intermediários malaios. Em resposta, o Ministério do Comércio e Indústria da Malásia passou a exigir permissões para a exportação de chips de IA de alto desempenho de origem norte-americana, buscando coibir o desvio ilícito de componentes sensíveis.

Além das tensões comerciais e das restrições de exportação, a Malásia enfrenta desafios internos, como a escassez de engenheiros qualificados em IA e semicondutores. Manter uma postura neutra, mas ao mesmo tempo navegar pelas complexidades das sanções comerciais, controles de exportação e alianças em constante mudança, torna o equilíbrio entre interesses econômicos e de segurança cada vez mais intrincado.

Estratégias de Navegação e Investimentos

A estratégia da Malásia tem sido multifacetada: atrair investimentos de ambos os lados, diversificar suas cadeias de suprimentos e apostar no desenvolvimento de talentos e infraestrutura local. Empresas chinesas, por exemplo, têm investido na Malásia para mitigar riscos de sanções dos EUA, enquanto empresas americanas veem o país como uma alternativa para a produção fora da China. O governo malaio tem enfatizado a necessidade de abraçar todos os aspectos da economia da IA, desde a fabricação de chips até a hospedagem de centros de dados, visando aumentar a produtividade e os salários para seus trabalhadores.

A criação do Plano de Ação Nacional de Tecnologia de IA 2026-2030 pelo Ministério Digital, juntamente com o desenvolvimento de Diretrizes de Governança e Ética de IA (AIGE Guidelines) em 2024, demonstra um esforço contínuo para construir um ecossistema de IA confiável e competitivo. A Malásia busca não apenas usar e adotar tecnologia, mas se tornar uma inovadora, fortalecendo sua resiliência econômica e garantindo sua competitividade em um cenário global incerto.

Um Futuro em Equilíbrio

Os sonhos de IA da Malásia estão intrinsecamente ligados à sua capacidade de navegar com destreza na complexa teia da guerra tecnológica EUA-China. Embora a posição neutra do país tenha atraído investimentos e oferecido oportunidades de diversificação, as pressões por parte de Washington para controlar o fluxo de chips avançados e as ameaças de tarifas são desafios reais. A Malásia está apostando em uma estratégia de desenvolvimento interno robusto, aliado à atração de capital estrangeiro e à manutenção de boas relações com ambos os gigantes tecnológicos, para garantir que seus sonhos de se tornar uma potência em IA não se tornem uma vítima colateral de uma guerra que não é sua.

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