Malásia e o Sonho da IA: Refém da Guerra Tecnológica?

A Malásia, uma nação do Sudeste Asiático conhecida por sua crescente economia e seu papel crucial na cadeia de suprimentos global, nutre grandes aspirações no campo da Inteligência Artificial (IA). Em 2022, o país lançou seu Roteiro Nacional de Inteligência Artificial (2021-2025), seguido pela criação de um Escritório Nacional de IA, sinalizando um compromisso sério com a inovação e a prosperidade digital. No entanto, à medida que a rivalidade tecnológica entre os Estados Unidos e a China se intensifica, a nação malaia encontra-se em uma posição precária, com seus ambiciosos planos correndo o risco de se tornarem reféns de uma guerra da qual não é diretamente participante.
As tensões geopolíticas, marcadas por tarifas, proibições de exportação e uma corrida global por chips semicondutores — o coração da tecnologia do futuro — lançam uma sombra sobre a jornada de IA da Malásia. O país, apesar de sua robusta indústria de semicondutores, foca principalmente nas etapas de montagem, embalagem e teste, sem produção doméstica de chips de IA de ponta. Isso o torna fundamentalmente dependente de importações de potências como China continental, Taiwan e Estados Unidos.
A Trajetória da Ambição Digital da Malásia
O Roteiro Nacional de IA da Malásia delineou aplicações prioritárias em áreas vitais como cadeias de suprimentos, agricultura e silvicultura, saúde, cidades inteligentes e transporte, além de educação e setor público. O governo malaio, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MOSTI) e o Escritório Nacional de IA, tem buscado ativamente construir um ecossistema de IA robusto, estendendo seu foco para incluir micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Apesar do entusiasmo e dos esforços governamentais, a jornada da Malásia na IA está apenas começando. Dados recentes indicam que apenas 13% das empresas menores — que compreendem 97% dos negócios do país — adotaram IA. O cenário de startups de IA também é incipiente, com poucas empresas emergentes aproveitando o aprendizado de máquina, a visão computacional e a robótica para criar e comercializar soluções inovadoras.
O Calcanhar de Aquiles Tecnológico: Chips Importados
A dependência da Malásia em relação aos chips de IA importados é seu ponto mais vulnerável. A indústria semicondutora do país, embora forte em certas etapas da fabricação, não produz os chips avançados necessários para alimentar os complexos modelos de IA. Essa lacuna significa que restrições de exportação, especialmente as impostas pelos EUA sobre chips de última geração da Nvidia, ameaçam diretamente as ambições malaias.
Há relatos de esforços para conter o desvio de semicondutores para a China, incluindo alegações de que uma empresa chinesa tentou treinar modelos de IA em centros de dados malaios usando chips da Nvidia. Embora as autoridades malaias estejam investigando, a incerteza persiste sobre a duração dos acordos comerciais e seu impacto nas preocupações dos EUA sobre o transbordo de chips através de países do Sudeste Asiático, como a Malásia. A ameaça de um “duplo golpe” – cortes nas exportações de chips de IA e aumento das tarifas – paira sobre o país, o que certamente desaceleraria ainda mais a adoção da IA.
Navegando a Tempestade Geopolítica
Em meio a essa complexa dinâmica global, a Malásia tem buscado uma posição de não-alinhamento, enfatizando a necessidade de independência em sua política externa para se engajar com todas as nações, tanto parceiros tradicionais no Ocidente quanto potências emergentes no Oriente, como a China. O Primeiro-Ministro malaio, Anwar Ibrahim, tem ressaltado a importância de preparar a região para os desafios futuros, alertando que a IA e as novas tarifas americanas podem "virar a economia global de cabeça para baixo".
Apesar dos desafios, a Malásia continua a atrair investimentos, como a decisão da empresa austríaca AT&S de expandir sua produção de componentes de alta tecnologia em Kulim, na Malásia, visando diversificar suas cadeias de suprimentos longe da China devido à guerra comercial. Isso mostra a atratividade do país como um centro alternativo em meio à tensão geopolítica.
Desafios Internos e a Busca por Talento
Além das pressões externas, a Malásia enfrenta desafios internos significativos. A dificuldade em encontrar talentos qualificados é uma grande restrição. Uma pesquisa de 2022 da Associação da Indústria de Semicondutores da Malásia revelou que 47% das empresas identificaram a disponibilidade de talentos como um grande obstáculo. Embora o governo pretenda formar dezenas de milhares de engenheiros nos próximos anos, preencher essa lacuna levará tempo.
Um Futuro Incerto, mas Resiliente
A Malásia está em uma encruzilhada. Seus sonhos de se tornar um polo de IA são inegáveis, mas a concretização desses planos é fortemente influenciada por forças globais que ela não controla. A maneira como a Malásia navega pela complexa teia da guerra tecnológica EUA-China, ao mesmo tempo em que fortalece suas capacidades internas e desenvolve seu próprio talento, definirá se seus sonhos de IA se tornarão uma realidade ou permanecerão uma vítima das tensões geopolíticas.
A capacidade de adaptação, a busca por parcerias estratégicas e o investimento contínuo em educação e pesquisa serão cruciais para que a Malásia possa trilhar seu próprio caminho no cenário global da Inteligência Artificial, evitando ser esmagada pela disputa das superpotências.
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