Japão Endurece Contra China: Novas Tarifas e o Desafio da Circunvenção

Japão Endurece Contra China: O Impacto Global da Superprodução
Uma decisão tomada do outro lado do mundo, no Japão, tem o potencial de reverberar por toda a economia global, afetando desde grandes indústrias até o bolso do consumidor. O Japão está implementando medidas drásticas para se proteger de um problema persistente e complexo originário da China: a superprodução e suas consequências.

Essa postura mais firme reflete uma crescente preocupação entre as nações desenvolvidas com práticas comerciais consideradas desleais, que desestabilizam mercados e ameaçam a competitividade das indústrias locais.
O Fenômeno da Superprodução Chinesa e o Desafio do Dumping
A China, reconhecida como uma potência industrial, tem enfrentado um cenário de superprodução em diversos setores, como o de aço, eletrodos de grafite e outros materiais essenciais. Este excedente, em grande parte, é atribuído a fatores internos, como a desaceleração da demanda doméstica, impulsionada por uma crise no setor imobiliário.
Com uma oferta muito superior à demanda interna, os produtores chineses buscam escoar seus produtos no mercado global, frequentemente a preços significativamente baixos. Essa prática, conhecida como 'dumping', ocorre quando um produto é vendido no exterior por um preço inferior ao seu custo de produção ou ao preço praticado no mercado doméstico do país exportador.
Para indústrias em países como o Japão, que produzem materiais similares, essa concorrência desleal é devastadora. As empresas japonesas, com custos de produção mais elevados e sujeitas a regulamentações ambientais e trabalhistas mais rigorosas, veem-se incapazes de competir com esses preços artificialmente baixos. O resultado é uma ameaça direta a empregos, à saúde financeira do setor e à própria base industrial do país.
Um exemplo concreto ocorreu em março do ano passado, quando o Japão aplicou tarifas antidumping provisórias sobre eletrodos de grafite chineses, um insumo crucial para a fundição de sucata de ferro na indústria metalúrgica.
A Evasão das Tarifas: O Complexo Cenário da Circunvenção
A imposição de tarifas antidumping, embora legítima, muitas vezes leva a um novo desafio: a circunvenção. Após a aplicação das tarifas sobre eletrodos de grafite chineses, observou-se uma queda nas importações diretas da China. No entanto, de forma alarmante, as importações desses mesmos produtos de terceiros países – muitos dos quais sem capacidade produtiva relevante para tais materiais – começaram a disparar.
Este fenômeno sugere que a China estaria utilizando rotas indiretas para contornar as tarifas. Produtos inacabados ou semiacabados seriam exportados para nações como Índia ou países do Sudeste Asiático, onde passariam por um processamento mínimo antes de serem reexportados para o Japão. Essa prática, conhecida como 'circunvenção', representa uma brecha significativa nas regras do comércio internacional e um desafio para a eficácia das medidas de defesa comercial.
As indústrias japonesas de aço e química, pilares da economia, emitiram um alerta máximo, exigindo que o governo implemente mecanismos para coibir essas exportações indiretas e proteger o mercado doméstico de forma mais abrangente.
A Resposta Japonesa: Criando um Escudo Contra Práticas Desleais
A Organização Mundial do Comércio (OMC) reconhece as tarifas antidumping como uma ferramenta legítima para proteger as indústrias locais contra práticas comerciais desleais. Se for comprovado que um produto é exportado a um preço injustamente baixo, a diferença pode ser adicionada como tarifa para nivelar o campo de jogo.
Contudo, até recentemente, Japão e Indonésia eram os únicos membros do G20 que não possuíam um sistema robusto para se proteger especificamente contra a circunvenção. Essa lacuna os deixava particularmente vulneráveis a estratégias de evasão.
Ciente dessa vulnerabilidade, em setembro do ano passado, o Ministério das Finanças do Japão estabeleceu um grupo de trabalho dedicado. A missão era clara: desenvolver um sistema eficaz para identificar e combater a circunvenção, garantindo que as tarifas antidumping cumprissem seu propósito.
Detalhes do Novo Mecanismo Antidumping e Anti-Circunvenção
Na primeira reunião do grupo de trabalho, em 10 de setembro, uma proposta ambiciosa foi apresentada. O novo sistema permitirá que o Japão imponha tarifas a produtos provenientes de terceiros países, caso seja confirmada a circunvenção e se as empresas japonesas sofrerem danos substanciais.
A determinação da circunvenção será baseada em critérios objetivos, como o nível de processamento adicional ou o investimento realizado no terceiro país. Por exemplo, se aproximadamente 60% ou mais do valor de um produto importado de um terceiro país for originário de uma nação já sujeita a tarifas antidumping japonesas, ele poderá ser tarifado.
Outro critério importante é se menos de 25% do valor agregado do produto foi processado no terceiro país. Nesses casos, a probabilidade de se tratar de uma operação de circunvenção aumenta consideravelmente, e o produto entrará na mira das novas tarifas.
Este sistema é notavelmente similar ao já operado pela União Europeia, utilizando os mesmos parâmetros para identificar e combater a evasão. O Professor Yoshinori Abe, da Universidade Gakushuin e presidente do grupo de trabalho, ressaltou a complexidade da situação: 'Precisamos criar um sistema que possa responder de forma flexível, permitindo certa margem de interpretação nos números. Mesmo que criemos novas regras, há a possibilidade de que se torne um jogo sem fim de encontrar novas brechas.' Sua observação destaca a natureza de 'gato e rato' do comércio internacional, onde novas regras são constantemente testadas por novas estratégias de evasão.
Implicações Globais e o Alerta para o Brasil
A postura firme do Japão não é um caso isolado; é um sinal claro de uma tendência global. Países desenvolvidos estão cada vez mais preocupados com as práticas comerciais da China, buscando não apenas proteger suas indústrias, mas também garantir o 'fair play' no mercado global. A superprodução chinesa não afeta apenas o Japão; ela gera um efeito dominó, desestabilizando mercados em diversas partes do mundo.
Para o Brasil, essa situação serve como um alerta importante. A concorrência de produtos chineses, especialmente no setor de aço, já é uma realidade e um desafio constante para a indústria nacional. Se a China encontrar mais dificuldades para escoar seus produtos para mercados desenvolvidos como o japonês, é plausível que ela intensifique sua busca por mercados emergentes, como o brasileiro, aumentando a pressão sobre as indústrias locais.
Isso sublinha a necessidade de o Brasil estar atento e, quem sabe, fortalecer seus próprios mecanismos de defesa comercial para proteger seus setores estratégicos de práticas desleais.
O Futuro do Comércio Internacional: Protecionismo e Cadeias Seguras
O governo japonês está atualmente em fase de coleta de opiniões públicas e tem a intenção de implementar essas revisões legais já no ano fiscal de 2026. Isso significa que é um processo em estágio avançado, com impactos reais esperados em um futuro próximo.
Essa iniciativa reflete uma tendência global de maior protecionismo e de busca por cadeias de suprimentos mais seguras e justas. As lições aprendidas com a pandemia de COVID-19 e as crescentes tensões geopolíticas têm levado as nações a reavaliar suas dependências e a priorizar a resiliência de suas economias.
Conclusão: Uma Nova Era no Comércio Global?
Em suma, o Japão está se armando legalmente para combater de forma mais eficaz a superprodução e a circunvenção chinesa, que considera práticas comerciais desleais. Esta é uma jogada estratégica que pode redesenhar parte do comércio global, especialmente no que tange à dinâmica entre economias desenvolvidas e a China.
Os efeitos dessa 'briga comercial' serão observados de perto por outras nações e, sem dúvida, terão repercussões que podem chegar mais perto do que se imagina, moldando o futuro do comércio internacional e das cadeias de suprimentos.
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