IA na Austrália: Autores em Guerra por Direitos Autorais

Em um embate que ressoa muito além das fronteiras digitais, a renomada jornalista australiana Tracey Spicer lançou um alerta contundente: flexibilizar as leis de direitos autorais da Austrália para acomodar a Inteligência Artificial (IA) seria sacrificar o sustento de escritores e criadores em nome do lucro dos “brogrammers” – uma crítica mordaz aos desenvolvedores de tecnologia que, segundo ela, veem a criação humana como mera matéria-prima.
A discussão central gira em torno de uma proposta da Comissão de Produtividade da Austrália, que, em seu relatório provisório “Harnessing data and digital technology” (Aproveitando dados e tecnologia digital), sugere a introdução de uma exceção de mineração de texto e dados (TDM) na Lei de Direitos Autorais do país. O objetivo é permitir que modelos de IA sejam treinados em obras protegidas por direitos autorais sem a necessidade de compensação, argumentando que isso poderia injetar estimados AU$ 116 bilhões na economia australiana na próxima década. [2, 4]
A Dissonância Australiana: Lucro vs. Livelihood
Enquanto a Comissão de Produtividade acena com um futuro de prosperidade impulsionada pela IA, a comunidade criativa australiana se levanta em forte oposição. Organizações como a Australian Writers' Guild (AWG), a Australian Society of Authors (ASA) e a Copyright Agency têm manifestado profundo desapontamento com a proposta, que, para eles, representa um “cheque em branco” para empresas de tecnologia multinacionais. [1, 2, 4, 5]
A preocupação é que essa exceção de TDM, análoga a uma versão ampliada da “fair dealing” australiana (mais restrita que o “fair use” americano), permitiria que gigantes da tecnologia como Google, Meta e OpenAI usassem livremente o material protegido por direitos autorais para treinar suas IAs, sem pagar ou pedir permissão. [2, 3, 4] Isso é particularmente alarmante, dado que muitos modelos de IA já foram treinados ilegalmente em vastas bases de dados piratas, incluindo obras de autores australianos, antes mesmo de qualquer alteração legislativa. [2, 4]
A Voz Incisiva de Tracey Spicer
Tracey Spicer, conhecida por seu trabalho no jornalismo e ativismo social, não poupa críticas. Para ela, essa proposta não é inovação, mas "neocolonialismo", onde empresas estrangeiras extraem conteúdo australiano para treinar seus modelos e depois o vendem de volta. [1] Em um artigo para The Guardian Austrália, ela denunciou a lógica por trás da flexibilização das leis, questionando o sacrifício dos meios de subsistência de criadores locais para o benefício de tecnocratas. [1]
Spicer, autora do livro “Man-Made”, que examina o viés histórico embutido nas máquinas que moldarão nosso futuro, argumenta que o trabalho dos escritores está sendo desvalorizado, descartado e destruído. [1, 4] Ela compara a situação a ser convidado a treinar seu próprio substituto, de graça, para uma tecnologia que pode, em última instância, tirar seu emprego. [3]
Direitos Autorais: O Último Reduto da Subsistência Criativa
Para muitos escritores australianos, o direito autoral não é apenas uma formalidade legal, mas a espinha dorsal de sua subsistência. Com uma renda média anual de escrita de aproximadamente AU$ 18.200 a AU$ 18.500, as taxas de direitos autorais são uma fonte de renda vital. [2, 4] Lucy Hayward, CEO da Australian Society of Authors (ASA), descreve a proposta da Comissão de Produtividade como um “passe livre” para as empresas de tecnologia multinacionais lucrarem com o trabalho dos autores sem permissão ou pagamento, o que ela considera “roubo de salário”. [2, 5]
Além disso, há uma preocupação particular com a proteção de obras das Primeiras Nações, onde o uso indevido de material para treinamento de IA pode desrespeitar protocolos culturais e o consentimento da comunidade, gerando falsificações sem qualquer consideração pela origem ou remuneração adequada. [1]
O Argumento da Indústria Tech e o Caminho a Seguir
Do outro lado, o Conselho de Tecnologia da Austrália, liderado por Scott Farquhar, cofundador da Atlassian, argumenta que a legislação australiana atual, ao não ter as mesmas isenções de “fair use” que os EUA, está impedindo o investimento e a inovação em IA no país. [3, 4] Eles defendem que a capacidade de treinar IA em dados sem custo é crucial para o avanço da tecnologia e o aumento da produtividade econômica. [3]
No entanto, críticos como Spicer e as organizações de direitos autorais refutam essa ideia, apontando que o “fair use” americano é uma questão legal ainda em disputa nos tribunais dos EUA, e que apressar uma exceção na Austrália poderia prejudicar muitas outras indústrias criativas em nome de uma nova. [4] A resposta do governo australiano, através do Ministro das Artes Tony Burke, tem sido cautelosa, afirmando que o uso comercial não autorizado de material protegido por direitos autorais é roubo. [2]
Diante desse cenário complexo, as organizações de criadores defendem a criação de sistemas de licenciamento que garantam a compensação justa aos detentores de direitos autorais. Eles propõem um modelo que permita o avanço da IA, mas que também incentive e proteja a produção de conteúdo humano, assegurando que o valor da criatividade não seja diluído em um mar de dados sem reconhecimento ou remuneração. O debate na Austrália serve como um espelho para a discussão global sobre o futuro da criatividade na era da Inteligência Artificial e a necessidade urgente de um equilíbrio entre inovação tecnológica e justiça para os criadores. [2, 5]
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