China e a IA: Rumo à Autossuficiência Digital

China e a IA: Rumo à Autossuficiência Digital

Em um tabuleiro geopolítico cada vez mais digital, a China joga suas fichas em uma aposta de alto risco e recompensa: alcançar a autossuficiência em inteligência artificial (IA). De semicondutores avançados a modelos de linguagem grandes (LLMs), o objetivo de Pequim é forjar um ecossistema de IA robusto e independente, blindado contra pressões externas. Essa ambição não é meramente tecnológica, mas uma diretriz estratégica nacional, impulsionada por uma corrida global pela supremacia em IA e por crescentes restrições de exportação impostas por nações ocidentais, especialmente os Estados Unidos.

A Corrida pela Soberania Digital

A inteligência artificial transformou-se no cerne da competição geopolítica e tecnológica. Para a China, a capacidade de dominar essa área é vista como fundamental para a segurança nacional e o desenvolvimento econômico. Conforme análises do Mercator Institute for China Studies (MERICS), a ascensão da IA é uma meta crítica para o governo chinês, que emprega estratégias variadas em cada camada da pilha tecnológica. A libertação do ChatGPT da americana OpenAI em 2022 catalisou essa corrida, intensificando os esforços chineses.

O próprio líder chinês, Xi Jinping, durante uma sessão de estudo do Politburo em abril de 2025 focada em IA, enfatizou a necessidade de uma mobilização nacional para alcançar a “autossuficiência e auto-fortalecimento” (自立自强) na tecnologia, construindo um ecossistema “independente e controlável” (自主可控) em hardware e software. Essa ênfase na soberania da IA marca uma virada relativamente recente e mais assertiva na estratégia chinesa de IA, que já tinha planos ambiciosos como o “Plano de Desenvolvimento da Inteligência Artificial de Nova Geração” de 2017 para se tornar líder global em IA até 2030.

As restrições à exportação de chips avançados de IA impostas pelos EUA, incluindo medidas que visam limitar a venda de chips da Nvidia, como o H20, para o mercado chinês, só acenderam o alerta em Pequim. Embora essas restrições busquem frear o avanço chinês, analistas sugerem que elas podem, paradoxalmente, estar impulsionando ainda mais a inovação doméstica e a busca por autossuficiência na China.

Do Hardware ao Software: A Estratégia Multifacetada

A busca por independência da China abrange toda a “pilha de IA”, desde os chips que fornecem o poder de computação até as estruturas de aprendizado de máquina e os grandes modelos de linguagem.

O Calcanhar de Aquiles: Chips e Semicondutores

No centro de qualquer avanço em IA estão os chips. A China tem feito esforços significativos para desenvolver seus próprios semicondutores de IA. Empresas como a Huawei, por exemplo, têm seus chips Ascend, mas o desempenho ainda não corresponde ao dos projetistas de semicondutores dos EUA. A DeepSeek, uma desenvolvedora chinesa de LLM, considerou o Ascend 910C da Huawei inadequado para o treinamento de grandes modelos. Mesmo com preços mais baixos, a Nvidia continua a liderar o mercado de chips de IA na China, tendo vendido mais de um milhão de seus chips H20 em 2024, contra 200 mil chips de IA da Huawei.

Contudo, empresas como a Baidu estão investindo pesadamente em suas próprias capacidades de hardware. O CEO da Baidu, Robin Li, afirmou que o cluster de 30.000 de seus chips Kunlun P800 de terceira geração é capaz de suportar o treinamento de modelos comparáveis ao DeepSeek, um passo crucial para reduzir a dependência de semicondutores estrangeiros.

A Ascensão dos Modelos de Linguagem Grandes (LLMs)

No campo dos modelos e aplicações de IA, a China está diminuindo rapidamente a distância para os EUA. Empresas chinesas estão inovando em LLMs, com Baidu desenvolvendo agressivamente seus próprios modelos como o Ernie X1 e Ernie 4.5. Em um movimento estratégico, a Baidu até eliminou as taxas para seus serviços de chatbot premium em abril de 2025 para aumentar a adoção e a competição com outros players domésticos.

A fim de consolidar essa independência, desenvolvedores chineses de IA e fabricantes de chips formaram a “Model-Chip Ecosystem Innovation Alliance”. Anunciada pela desenvolvedora de LLM StepFun na World Artificial Intelligence Conference (WAIC) em Xangai, essa aliança reúne nomes como Huawei, Biren e Moore Threads com desenvolvedores de LLMs, visando construir uma cadeia de suprimentos doméstica completa. Essa iniciativa aponta para a determinação contínua da China em ser autossuficiente nas cadeias de suprimentos tecnológicas, enfrentando o controle crescente das exportações dos EUA.

Implicações Globais e o Futuro da IA

A busca incessante da China pela autossuficiência em IA, impulsionada por subsídios governamentais massivos e acelerada pelas restrições dos EUA, marca um momento definidor no cenário tecnológico do século XXI. Embora o país enfrente obstáculos significativos para igualar o desempenho de hardware estrangeiro de ponta, a nação está fomentando uma indústria de IA doméstica resiliente e cada vez mais sofisticada. Empresas chinesas demonstram engenhosidade ao otimizar software e algoritmos para alcançar resultados poderosos, mesmo com hardware menos avançado.

A trajetória sugere um futuro onde a China não é apenas um participante, mas um polo formidável e independente na ordem global da IA. O desfecho dessa competição não será determinado por uma única inovação, mas pela capacidade sustentada de cada nação de cultivar talentos, impulsionar a inovação em toda a pilha tecnológica e integrar efetivamente a IA em sua economia e sociedade, preparando o terreno para décadas de intensa competição e desenvolvimento paralelo.

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