Os 10% Mais Ricos do Mundo São Responsáveis por Dois Terços do Aquecimento Global

Por Mizael Xavier
Os 10% Mais Ricos do Mundo São Responsáveis por Dois Terços do Aquecimento Global

A Desigualdade Climática em Números: Os Mais Ricos e a Crise do Clima

Um estudo recente publicado na revista Nature Climate Change e divulgado pelo Yale E360 revela uma verdade incômoda: os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por impressionantes dois terços do aquecimento global ocorrido desde 1990. Essa pesquisa quantifica o impacto desproporcional que o consumo e os investimentos dessa parcela da população têm sobre o clima, exacerbando eventos climáticos extremos como ondas de calor e secas, especialmente em regiões vulneráveis.

A investigação, conduzida pela ETH Zurich (Suíça), destaca a profunda ligação entre a desigualdade de emissões baseada na renda e a injustiça climática. Os resultados mostram que o 1% mais rico do planeta contribuiu 26 vezes mais para o aumento de temperaturas extremas globais e 17 vezes mais para as secas na Amazônia, em comparação com a média da população mundial. Esses efeitos são particularmente severos em áreas tropicais como a Amazônia, o Sudeste Asiático e o Sul da África, regiões que historicamente contribuíram muito pouco para as emissões globais.

O Impacto do Estilo de Vida e dos Investimentos dos Mais Ricos

O estudo vai além do consumo pessoal, incluindo na análise as emissões "ocultas" provenientes de investimentos financeiros. Isso significa que não apenas o uso intensivo de energia, como em jatos particulares e iates, mas também os investimentos em setores de alta emissão de carbono, como os combustíveis fósseis, são fatores cruciais. De fato, um relatório da Oxfam aponta que os investimentos dos bilionários podem responder por até 70% de suas emissões, e que um bilionário pode emitir um milhão de vezes mais gases de efeito estufa do que uma pessoa comum. A pesquisa da ETH Zurich corrobora essa visão, ligando diretamente os estilos de vida e as escolhas de investimento dos mais ricos aos eventos climáticos extremos.

As emissões combinadas dos 10% mais ricos da China e dos Estados Unidos, por exemplo, já representam quase metade da poluição global por carbono. A queima de combustíveis fósseis e o desmatamento impulsionados por esse consumo e investimento levaram a um aquecimento médio da superfície terrestre de +1,3°C, principalmente nas últimas três décadas.

Quem São os Mais Ricos e Qual a Sua Responsabilidade?

Identificar os "mais ricos" pode variar, mas listas como a da Forbes e o Bloomberg Billionaires Index apontam consistentemente para figuras como Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Bernard Arnault entre os indivíduos com maior patrimônio. O estudo da Nature Climate Change define os 10% mais ricos como aqueles com renda anual superior a 43.000 euros (cerca de R$ 280.000), enquanto o 1% mais rico possui renda anual acima de 147.000 euros (cerca de R$ 960.000). É importante notar que a responsabilidade pelas emissões gerais raramente é discutida ou considerada na formulação de políticas climáticas de forma proporcional à riqueza.

A Relação Entre Riqueza Extrema e Colapso Climático

A conexão entre o excesso de riqueza e o colapso climático é cada vez mais evidente. O relatório "Igualdade Climática: Um Planeta para os 99%" da Oxfam, baseado em dados do Stockholm Environment Institute, revela que o 1% mais rico foi responsável por 16% das emissões globais de consumo em 2019, mais do que todas as emissões de automóveis e transportes rodoviários. Os 10% mais ricos responderam por metade das emissões. Anualmente, as emissões do 1% mais rico anulam a economia de carbono gerada por quase um milhão de turbinas eólicas.

Buscando Soluções: Justiça Climática e Políticas de Mitigação

A constatação da responsabilidade desproporcional dos mais ricos no aquecimento global reforça a urgência de se discutir e implementar medidas de justiça climática. Este conceito defende uma divisão mais justa dos investimentos e das responsabilidades no combate à emergência climática, reconhecendo que as consequências afetam desigualmente pessoas e países. Países menos industrializados e populações vulneráveis, que menos contribuíram para a crise, são frequentemente os mais atingidos. A justiça climática propõe que aqueles que mais exploraram os recursos do planeta invistam mais e auxiliem os mais necessitados.

Propostas e Iniciativas para Reduzir a Desigualdade de Emissões

Diversas soluções têm sido propostas para enfrentar essa desigualdade. A taxação sobre grandes fortunas e o financiamento climático internacional são medidas que ganham força com as novas evidências. Estudos indicam que a tributação de emissões ligadas a ativos é mais equitativa do que impostos gerais sobre emissões, que tendem a penalizar mais as populações de baixa renda. O Brasil, por exemplo, propôs em 2023 um imposto de 2% sobre a riqueza líquida de bilionários. No âmbito do G20, embora tenha havido um acordo para garantir a taxação efetiva de indivíduos com patrimônio líquido ultra elevado, o acompanhamento prático ainda é aguardado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que os países desenvolvidos do G20 antecipem suas metas de neutralidade climática, atualmente previstas para 2050, como forma de combater o aquecimento global. O princípio das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas" é central nesse debate, exigindo que nações ricas assumam suas responsabilidades históricas para que possam, com credibilidade, exigir ambição dos demais.

Outras medidas incluem o investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias limpas, a transição para energias renováveis e a mudança nos padrões de consumo e investimento. Indivíduos ricos podem contribuir significativamente ao optar por painéis solares, carros elétricos e evitar o uso excessivo de aviões. Além disso, o financiamento de pesquisas e a pressão sobre empresas e políticos para adotarem práticas sustentáveis são ações cruciais.

O Papel de Acordos Internacionais e Mecanismos de Mercado

Acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris estabeleceram marcos importantes, embora seus resultados ainda sejam considerados aquém do necessário. O Protocolo de Kyoto, por exemplo, introduziu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para o comércio de carbono, permitindo que países compensassem emissões através de projetos em nações em desenvolvimento. O mercado de carbono, tanto regulado quanto voluntário, surge como uma ferramenta para incentivar a redução de emissões, transformando créditos de carbono em uma espécie de "moeda ambiental".

No entanto, é fundamental garantir que esses mecanismos não se tornem uma forma de os mais ricos simplesmente pagarem para continuar poluindo, sem uma real transformação em seus modelos de produção e consumo. Reequilibrar a responsabilidade pela ação climática de acordo com a contribuição real para as emissões é essencial não só para conter o aquecimento global, mas também para construir um mundo mais justo e resiliente.

A mensagem do estudo é clara: os impactos climáticos extremos não são apenas o resultado de emissões globais abstratas, mas podem ser diretamente ligados aos estilos de vida e escolhas de investimento de uma minoria abastada. Se o mundo tivesse emitido como os 50% mais pobres da população global, o aquecimento global desde 1990 teria sido mínimo. Essa constatação exige uma reflexão profunda e ações concretas para mitigar a crise climática de forma justa e eficaz.

Mizael Xavier

Mizael Xavier

Desenvolvedor e escritor técnico

Ver todos os posts

Compartilhar: