O Protocolo de Contexto de Modelo (MCP): A Próxima Geração de APIs para Aplicações de IA

Introdução: A Era da "Vibe Coding" e o Surgimento do MCP

Nos últimos anos, o universo do desenvolvimento de APIs tem testemunhado uma evolução notável. De arquiteturas consagradas como REST, GraphQL e RPC, até protocolos mais antigos como SOAP, cada um trouxe sua própria abordagem para a comunicação entre sistemas. No entanto, o advento da Inteligência Artificial (IA) e, mais especificamente, dos Modelos de Linguagem Grande (LLMs) tem redefinido as expectativas.

A ascensão do que alguns chamam de "vibe coding" — uma forma de programar onde desenvolvedores se apoiam fortemente em LLMs para gerar código, quase sem tocar no teclado — evidencia essa mudança. Nesse cenário, o Protocolo de Contexto de Modelo (MCP) emerge como uma tecnologia crucial, prometendo ser o próximo grande avanço. Recentemente, o MCP se tornou um padrão oficial no SDK de Agentes da OpenAI, solidificando sua posição como uma peça fundamental na construção de aplicações de IA mais inteligentes e conectadas.

O Que é o Protocolo de Contexto de Modelo (MCP)?

Pense no Protocolo de Contexto de Modelo (MCP) como uma espécie de "porta USB-C universal" para aplicações de IA. Assim como uma porta USB-C padroniza a conexão para diversos periféricos e acessórios, o MCP oferece uma forma padronizada para as aplicações de IA se conectarem a diferentes fontes de dados e ferramentas. Este protocolo inovador foi concebido pela Anthropic, a equipe por trás do modelo de linguagem Claude, com o objetivo de fornecer aos LLMs o contexto necessário para realizar tarefas complexas.

A confiança da Anthropic no MCP e na automação de IA é tamanha que Dario Amodei, CEO da empresa, fez previsões audaciosas. Ele afirmou que, em 12 meses, praticamente todo o código poderá ser gerado por IA, e que 90% do código de software poderá ser escrito por IA em apenas três a seis meses. Essas previsões, embora ambiciosas, sublinham o potencial transformador que o MCP e tecnologias semelhantes podem ter no desenvolvimento de software.

Arquitetura do MCP: Recursos e Ferramentas

A arquitetura do MCP é baseada em um modelo cliente-servidor, similar a outras arquiteturas de API, mas com uma distinção fundamental: ele foca em dois conceitos principais, "recursos" e "ferramentas".

Recursos no MCP

Um "recurso" no MCP é essencialmente uma fonte de informação ou dado que um LLM pode acessar para obter contexto. Isso pode incluir um arquivo, o resultado de uma consulta a um banco de dados como PostgreSQL, ou qualquer outra informação relevante. Conceitualmente, buscar um recurso no MCP é análogo a fazer uma requisição GET em uma API REST, onde o objetivo é apenas buscar dados, sem causar efeitos colaterais no sistema. Por exemplo, em uma aplicação, um recurso pode ser configurado para buscar a lista de "cavalos buscando amor" de um banco de dados, fornecendo esses perfis à IA como contexto.

Ferramentas no MCP

Por outro lado, uma "ferramenta" no MCP representa uma ação ou funcionalidade que um LLM pode invocar para interagir com o sistema, potencialmente causando efeitos colaterais ou computações. Isso poderia ser, por exemplo, escrever dados em um banco de dados, carregar arquivos ou interagir com outras APIs. Utilizar uma ferramenta no MCP é mais parecido com fazer uma requisição POST em uma API REST. Um aspecto crucial na definição de ferramentas é a validação de esquema, como pode ser feita com bibliotecas como Zod em TypeScript. Isso permite que os desenvolvedores especifiquem o formato exato dos dados esperados pela ferramenta, prevenindo que o LLM "alucine" informações aleatórias e garantindo a confiabilidade das interações.

Exemplos de Aplicações do MCP na Prática

O potencial do MCP já está sendo explorado em diversas áreas, com desenvolvedores criando ferramentas impressionantes que alavancam a capacidade dos LLMs de interagir com o mundo real. Alguns exemplos notáveis incluem:

  • Automação de Negociações: Servidores MCP estão sendo desenvolvidos para automatizar transações em mercados financeiros, como a negociação de ações e criptomoedas, permitindo que a IA analise dados e execute operações de forma autônoma.

  • Web Scraping em Escala Industrial: Há implementações de MCP que permitem a automação avançada de navegadores para web scraping em grande escala, onde LLMs podem interagir com páginas web, capturar screenshots e executar JavaScript em um ambiente de navegador real.

  • Gerenciamento de Infraestrutura em Nuvem: O MCP também é usado como uma ferramenta para gerenciar a infraestrutura em nuvem, como clusters Kubernetes, permitindo que a IA execute comandos CLI da AWS e gerencie recursos complexos.

O Caso de Estudo "Horse Tinder AI"

Para ilustrar a versatilidade do MCP, um exemplo prático apresentado é o "Horse Tinder AI", uma aplicação de namoro para cavalos (uma brincadeira, claro). Apesar do humor, o projeto demonstra como é possível integrar o MCP a sistemas existentes. O "Horse Tinder AI" utiliza:

  • Um bucket de armazenamento (S3-like) para hospedar imagens dos cavalos.

  • Um banco de dados PostgreSQL para armazenar perfis detalhados e informações de relacionamento dos cavalos.

  • Uma API REST tradicional, escrita em TypeScript, para acessar e manipular esses dados. O desafio foi adaptar a interface de usuário (deslizar para a esquerda/direita) para algo que os cavalos pudessem usar (eles não têm dedos!), levando à "pivotagem" para a inteligência artificial.

Ao integrar o MCP, o "Horse Tinder AI" permite que o Claude acesse o banco de dados como um "recurso" e utilize um "serviço de emparelhamento de cavalos" como uma "ferramenta" para criar encontros, demonstrando como o MCP pode ser uma ponte entre LLMs e qualquer tipo de dados e serviços existentes.

Construindo um Servidor MCP com TypeScript e Deno

Construir um servidor MCP é surpreendentemente direto, especialmente com as ferramentas e SDKs disponíveis. O vídeo demonstra a implementação usando TypeScript e Deno, um ambiente de execução de JavaScript e TypeScript moderno e seguro.

Iniciando o Servidor MCP

O ponto de partida é importar a classe `McpServer` do SDK oficial do Protocolo de Contexto de Modelo. Embora o exemplo use TypeScript, o MCP oferece SDKs para várias outras linguagens de programação, incluindo Python, Java, Kotlin e C#, o que destaca sua interoperabilidade.

Definindo Recursos

Para adicionar um recurso ao servidor, usamos o método `server.resource()`. Por exemplo, para o "Horse Tinder AI", definimos um recurso chamado "horses looking for love" (cavalos buscando amor), que aponta para um URI de PostgreSQL. A função de callback associada a este recurso executa uma consulta no banco de dados (usando a biblioteca Postgres.js) para buscar cavalos solteiros. É crucial que os recursos sejam usados apenas para buscar dados, sem efeitos colaterais.

Definindo Ferramentas

Para operações que envolvem efeitos colaterais ou computações, como o emparelhamento de cavalos, definimos uma "ferramenta" usando `server.tool()`. A ferramenta "horse matching service" para o "Horse Tinder AI" aceita dados (IDs de dois cavalos e uma data de encontro) e, com a ajuda de Zod para validação de esquema, faz uma requisição POST para uma API REST existente para criar o emparelhamento. Isso mostra como o MCP pode atuar como uma "API para APIs", orquestrando interações complexas.

Camada de Transporte e Implantação

A comunicação entre o cliente e o servidor MCP ocorre através de uma camada de transporte, que pode ser o I/O padrão (STDIO) para uso local, ou Server-Sent Events (SSE) e HTTP para implantações em nuvem. O vídeo destaca a Sevalla (patrocinadora do vídeo) como uma excelente plataforma para hospedar o servidor MCP. A Sevalla, que é construída sobre Google Kubernetes Engine e Cloudflare, oferece uma interface amigável, preços lineares e recursos como integração com repositórios Git para implantação via CI/CD, facilitando o gerenciamento e a escalabilidade do servidor MCP.

Integrando o Servidor MCP com Clientes de IA (Claude Desktop)

Uma vez que o servidor MCP esteja em funcionamento, o próximo passo é integrá-lo a um cliente de IA que suporte o protocolo. O Claude Desktop App é um exemplo proeminente de cliente que oferece suporte total aos recursos do MCP, mas existem outras opções de clientes como Claude Code, 5ire e BeeAI Framework, além de IDEs de IA como Cursor e Windserf.

Configurando o Claude Desktop

Para que o Claude Desktop se conecte ao seu servidor MCP local ou em nuvem, você precisa adicionar algumas configurações. Isso é feito editando um arquivo de configuração JSON (por exemplo, `claude_desktop_config.json`) onde você especifica o comando e os argumentos para executar seu servidor MCP. Por exemplo, para um servidor Deno, você indicaria o comando `deno` e os argumentos para rodar seu arquivo `main.ts`.

Interagindo com a IA Usando o Contexto

Com o servidor configurado e rodando, você pode "anexar" os recursos do seu servidor ao contexto do Claude Desktop. Isso permite que a IA acesse os dados que você configurou. Por exemplo, ao perguntar "Quais cavalos Appaloosa estão disponíveis?", o Claude usará o recurso "cavalos buscando amor" para consultar seu banco de dados e fornecer informações precisas sobre os cavalos disponíveis. A multimodalidade do Claude também permite anexar outros tipos de dados, como PDFs e imagens, para enriquecer o contexto.

Usando Ferramentas para Ações

Mais impressionante ainda é a capacidade de usar as "ferramentas" do seu servidor MCP para que a IA execute ações. Se você der um prompt como "Conecte 2 cavalos para um encontro", o Claude, após sua permissão, usará a ferramenta "serviço de emparelhamento de cavalos" para interagir com sua API REST e criar um encontro no banco de dados. A IA automaticamente descobrirá quais dados enviar à ferramenta com base no esquema que você validou, tornando o processo fluido e autônomo. No entanto, é importante considerar os riscos e a importância da segurança ao permitir que a IA mute dados em sua aplicação.

O Futuro da Programação com MCP

As previsões de que a IA em breve escreverá a maior parte do código de software, embora ambiciosas, refletem uma tendência crescente de automação. O Protocolo de Contexto de Modelo (MCP) é uma peça fundamental nesse quebra-cabeça, pois permite que os LLMs interajam de forma mais rica e funcional com sistemas externos, transformando a "vibe coding" em uma realidade cada vez mais presente.

Apesar do entusiasmo, é crucial abordar essa evolução com cautela e responsabilidade. Permitir que agentes de IA acessem e modifiquem dados e sistemas críticos exige atenção rigorosa à segurança e à validação. A possibilidade de a IA acidentalmente (ou intencionalmente) apagar dados ou causar falhas é um risco real que precisa ser mitigado com schemas robustos e permissões bem definidas.

Para aqueles que desejam explorar mais a fundo o potencial do MCP, há uma comunidade crescente e diversos projetos open-source. O repositório Awesome MCP Servers no GitHub, por exemplo, oferece uma vasta coleção de implementações de servidores MCP em várias categorias, desde automação de navegador e cultura até plataformas em nuvem e finanças. Isso demonstra a versatilidade e o crescente ecossistema em torno do Protocolo de Contexto de Modelo. À medida que a "vibe coding" se torna mais comum, a capacidade de desenvolver e gerenciar servidores MCP com responsabilidade será uma habilidade valiosa para os desenvolvedores do futuro.