O Legado Amargo das Mudanças Climáticas para as Novas Gerações

Um Futuro Incerto: Crianças Nascidas Hoje Enfrentarão um Mundo Mais Hostil
Um estudo científico rigoroso, publicado na conceituada revista Science, soa um alarme contundente sobre o futuro que aguarda as crianças nascidas na era das mudanças climáticas. Intitulado "Intergenerational inequities in exposure to climate extremes" (Desigualdades intergeracionais na exposição a extremos climáticos), o trabalho, liderado por Wim Thiery, da Vrije Universiteit Brussel, e uma equipe internacional de pesquisadores, projeta um cenário onde as novas gerações experimentarão um número significativamente maior de eventos climáticos extremos em comparação com as gerações anteriores. As projeções indicam que uma criança nascida em 2020 enfrentará, em média, o dobro de incêndios florestais, quase três vezes mais inundações de rios e quebras de safra, e sete vezes mais ondas de calor ao longo de sua vida, caso o aquecimento global persista na trajetória atual.
Essa "injustiça intergeracional", como destacada pelo estudo, evidencia que as decisões e ações (ou a falta delas) das gerações passadas e presentes terão um impacto desproporcional e severo sobre os mais jovens. Eles herdarão um planeta com um clima substancialmente alterado, mesmo sem terem contribuído significativamente para as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global.
Mudanças Climáticas: A Ciência por Trás das Projeções Sombrias
O estudo baseia-se em um extenso conjunto de dados climáticos e modelos de projeção, combinados com informações demográficas. Os pesquisadores analisaram a exposição vitalícia a seis categorias de eventos climáticos extremos – ondas de calor, incêndios florestais, secas, quebras de safra, inundações de rios e ciclones tropicais – para diferentes coortes de nascimento, sob vários cenários de aquecimento global. Os resultados demonstram um aumento consistente na frequência e intensidade desses eventos para as gerações mais jovens, mesmo em cenários de aquecimento mais moderados.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão científico internacional para avaliação das mudanças climáticas, tem consistentemente alertado em seus relatórios sobre o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos devido ao aquecimento global causado pela atividade humana. Os relatórios do IPCC, como o Sexto Relatório de Avaliação (AR6), fornecem a base científica para a compreensão dos riscos climáticos e a necessidade urgente de ação.
Impactos das Mudanças Climáticas nas Crianças: Uma Realidade Já Presente
Os impactos das mudanças climáticas nas crianças não são apenas uma projeção futura, mas uma realidade presente. O UNICEF alerta que quase todas as crianças do mundo já estão expostas a pelo menos um risco climático, como ondas de calor, poluição do ar ou escassez de água. As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas devido à sua fisiologia em desenvolvimento, maior exposição a poluentes por unidade de peso corporal e dependência dos adultos para segurança e bem-estar.
Eventos climáticos extremos podem levar ao deslocamento de famílias, interrupção da educação, aumento da insegurança alimentar e hídrica, e maior exposição a doenças. No Brasil, por exemplo, o relatório "Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil" do UNICEF aponta que 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental, representando 60% do total. As mudanças nos padrões de chuva e temperatura podem aumentar o risco de transmissão de doenças como dengue, zika e chikungunya, afetando desproporcionalmente as crianças.
A Necessidade Urgente de Ação e o Acordo de Paris
O Acordo de Paris, um tratado internacional adotado em 2015, estabelece o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global a bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, e envidar esforços para limitá-lo a 1,5°C. Para alcançar essas metas, os países apresentaram Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são seus planos de ação para reduzir emissões e se adaptar aos impactos climáticos. No entanto, os compromissos atuais ainda são insuficientes para atingir as metas do Acordo, e o mundo caminha para um aquecimento que pode chegar a 2,9°C até o final do século se nenhuma ação adicional for tomada.
O estudo de Thiery e colegas reforça a urgência de uma ação climática mais ambiciosa e imediata. Reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e investir em medidas de adaptação são cruciais para mitigar os piores cenários e proteger as futuras gerações. A transição para fontes de energia limpa e renovável, como solar e eólica, é fundamental nesse processo.
O Papel do Brasil e a Percepção Pública
O Brasil, devido à sua vasta biodiversidade e vulnerabilidade a eventos climáticos extremos, tem um papel crucial a desempenhar no combate às mudanças climáticas. Pesquisas de opinião pública indicam uma crescente preocupação dos brasileiros com os impactos das mudanças climáticas, especialmente para as futuras gerações. Uma pesquisa do Datafolha de 2024 revelou que 52% dos brasileiros consideram as mudanças climáticas um risco imediato. Outra pesquisa do PNUD e da Universidade de Oxford mostrou que 85% dos brasileiros desejam que o governo tome medidas mais firmes para enfrentar a crise climática.
Apesar da conscientização, existe também um sentimento de desesperança em relação à capacidade de reverter os impactos já causados. No entanto, há uma alta disposição para a adoção de medidas individuais, como a redução do uso de plástico e a economia de energia.
Conclusão: Um Chamado à Responsabilidade Intergeracional
O estudo "Intergenerational inequities in exposure to climate extremes" serve como um poderoso lembrete da profunda responsabilidade que as gerações atuais têm para com as futuras. As escolhas feitas hoje determinarão a severidade dos impactos climáticos que as crianças enfrentarão ao longo de suas vidas. Limitar o aquecimento global não é apenas uma questão ambiental ou econômica, mas uma questão fundamental de justiça e equidade intergeracional. Ações decisivas e colaborativas em todos os níveis – individual, comunitário, nacional e global – são imprescindíveis para garantir um futuro mais seguro e justo para todos.
