Godan de Premchand: Um Olhar Íntimo sobre a Luta e Sonhos do Camponês Indiano (Parte 1)

Godan de Premchand: Um Olhar Íntimo sobre a Luta e Sonhos do Camponês Indiano (Parte 1)

A obra-prima de Munshi Premchand, "Godan" (A Dádiva de uma Vaca), inicia-se com uma cena que imerge o leitor na dura realidade da vida camponesa na Índia pré-independência. Acompanhamos Hori Ram, um agricultor pobre, e sua esposa Dhania, em um diálogo que revela as complexidades de sua existência, marcada pela pobreza, dívidas e a opressão do sistema de zamindari (senhorio de terras).

O Cotidiano de Hori e Dhania

Hori, após cuidar de seus bois, prepara-se para encontrar o "Malik" (senhorio/proprietário de terras), uma visita que o enche de ansiedade. Ele teme chegar atrasado, pois o Malik pode iniciar suas orações, tornando o encontro impossível. Dhania, pragmática e calejada pelas dificuldades, insiste que ele coma algo antes de sair, questionando a urgência da visita. Este breve intercâmbio já expõe a tensão entre a necessidade de Hori de apaziguar o poderoso senhorio para garantir sua sobrevivência e a frustração de Dhania com a subserviência.

A Sombra da Pobreza e a Perda

A conversa entre o casal desliza para a constante preocupação com o "lagan" (aluguel da terra) e as dificuldades financeiras. Hori acredita que manter boas relações com o Malik é crucial, lembrando como outros aldeões perderam suas terras. Dhania, por outro lado, ressente a necessidade de bajulação, argumentando que já pagam o aluguel. A narrativa nos informa que, apesar de sua perspicácia inicial, vinte anos de casamento e privações moldaram Dhania. Ela perdeu três de seus seis filhos na infância, uma tragédia que atribui à incapacidade de pagar por medicamentos. Seus filhos sobreviventes são Gobar (16 anos), e as meninas Sona (12 anos) e Rupa (8 anos). A própria Dhania, aos 36 anos, aparenta ser mais velha, com os cabelos grisalhos e o corpo desgastado pela vida árdua.

O Sonho de uma Vaca e a Realidade Social

Apesar da miséria, Hori nutre um sonho acalentado por todo camponês: possuir uma vaca, símbolo de prosperidade e sustento. Seus pensamentos se voltam para essa aspiração ao avistar Bhola, um vaqueiro da região, conduzindo seu gado. Hori admira uma das vacas de Bhola, e uma conversa se inicia. Bhola menciona as dificuldades de sua vida após a morte de sua esposa, especialmente a falta de alguém para cuidar da casa e dos animais, insinuando o desejo de se casar novamente. Hori, astuto, percebe uma oportunidade.

O Contraste com a Elite: Rai Saheb Amarpal Singh

A cena então se desloca brevemente para Rai Saheb Amarpal Singh de Semari, o zamindar local. Ele é um nacionalista que, ironicamente, mantém as práticas opressoras do sistema de senhorio. Preparações para um "Dhanush Yagya" (cerimônia de sacrifício do arco) estão em andamento, um evento grandioso que exige grandes somas de dinheiro. Rai Saheb reflete sobre a hipocrisia de sua posição, explorando os camponeses enquanto discursa sobre igualdade.

Este primeiro vislumbre de "Godan" estabelece os temas centrais da obra: a luta pela sobrevivência do campesinato, a opressão social e econômica, os sonhos e aspirações em meio à adversidade, e a complexa dinâmica das relações humanas e de poder na sociedade rural indiana.