Descobertas na Mongólia Revelam as Mais Antigas Práticas de Odontologia Equina, Remontando a 3.200 Anos

Por Mizael Xavier

Origens da Odontologia Equina nas Estepes da Mongólia

Pesquisas arqueológicas recentes na Mongólia trouxeram à luz evidências fascinantes que remontam aos primórdios da odontologia veterinária em cavalos. Liderados por William Taylor, arqueólogo da Universidade do Colorado em Boulder e do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, os estudos revelaram que os pastores nômades da cultura Deer Stone-Khirigsuur já praticavam procedimentos dentários em seus cavalos há cerca de 3.200 anos. Essas descobertas, publicadas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), não apenas iluminam a antiguidade dessa prática, mas também sugerem sua importância crucial para o desenvolvimento da montaria e das sociedades pastoris na Eurásia.

Evidências Arqueológicas e a Cultura Deer Stone-Khirigsuur

As escavações, realizadas em cemitérios de cavalos associados à cultura Deer Stone-Khirigsuur (DSKC), que floresceu na Mongólia durante a Idade do Bronze Tardia (aproximadamente 1300 a 700 a.C.), forneceram o material para esta pesquisa inovadora. Os pesquisadores analisaram crânios de cavalos sacrificados, encontrando marcas de intervenção humana nos dentes. Em um dos espécimes mais antigos, datado de cerca de 1150 a.C., foram observadas tentativas de serrar dentes incisivos decíduos (dentes de leite) que estavam irrompendo de forma irregular. Essa é considerada a evidência mais antiga de odontologia equina já registrada no mundo.

A cultura Deer Stone-Khirigsuur é conhecida por seus impressionantes monumentos de pedra com gravuras de cervos (as "pedras de cervo") e por complexos rituais de enterro que incluíam o sacrifício de cavalos. Esses animais eram centrais para a vida e a cosmologia desses povos nômades, e a manutenção de sua saúde era, evidentemente, uma prioridade.

A Remoção dos "Dentes de Lobo" e a Evolução da Montaria

Um desenvolvimento posterior e significativo na prática odontológica equina identificada pelos pesquisadores foi a extração dos chamados "dentes de lobo". Estes são pequenos dentes pré-molares vestigiais que podem causar dor e desconforto ao cavalo quando em contato com o freio (embocadura) metálico utilizado para controle durante a montaria. As evidências indicam que, por volta de 750 a.C., os pastores da DSKC já realizavam a remoção desses dentes.

Essa prática coincide temporalmente com a introdução e disseminação de freios de metal na região. Antes disso, presume-se que fossem utilizados freios feitos de materiais orgânicos, como couro ou corda, que seriam menos problemáticos em relação aos dentes de lobo. A capacidade de utilizar freios de metal de forma eficaz, sem causar dor desnecessária aos animais, teria oferecido um controle muito maior sobre os cavalos, facilitando seu uso em longas distâncias, pastoreio e, crucialmente, em atividades militares. Taylor sugere que essa inovação na odontologia veterinária pode ter sido um fator chave para a ascensão da cavalaria e a expansão dos povos nômades pelas estepes eurasianas.

Técnicas Primitivas, Conhecimento Empírico

As ferramentas utilizadas para esses procedimentos eram rudimentares, provavelmente feitas de pedra. Marcas de silicatos encontradas nos dentes analisados corroboram essa hipótese. A extração ou o desgaste de dentes em um animal do porte de um cavalo, sem os recursos da anestesia moderna, seria uma tarefa logisticamente complexa e arriscada, demonstrando um notável conhecimento empírico e uma profunda relação entre humanos e cavalos.

Os pesquisadores, incluindo Jamsranjav Bayarsaikhan, do Museu Nacional da Mongólia e coautor do estudo, destacam que essas práticas não eram meramente estéticas, mas visavam aliviar a dor, melhorar a alimentação e, consequentemente, o comportamento e a utilidade dos cavalos. Um cavalo com problemas dentários pode se tornar irritadiço, ter dificuldade para se alimentar e ser menos responsivo aos comandos do cavaleiro.

Implicações e Relevância da Descoberta

A descoberta de que a odontologia equina já era praticada há mais de três milênios na Mongólia tem implicações significativas para a nossa compreensão da coevolução entre humanos e cavalos. Ela demonstra um nível de cuidado veterinário sofisticado para a época e ressalta a importância dos cavalos para as sociedades pastoris da Idade do Bronze.

Essa intervenção direta na saúde oral dos equinos não apenas melhorou o bem-estar animal, mas também impulsionou avanços tecnológicos e sociais. A capacidade de manter cavalos saudáveis e cooperativos foi fundamental para a expansão das redes de transporte, comunicação e poderio militar através das vastas estepes da Eurásia, moldando o curso da história humana.

Como resume Nicole Boivin, diretora do Departamento de Arqueologia do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana e também coautora do estudo, "a odontologia veterinária - desenvolvida por pastores da Ásia Interior - pode ter sido um fator chave que ajudou a estimular a disseminação de pessoas, ideias e organismos entre o Oriente e o Ocidente".

Mizael Xavier

Mizael Xavier

Desenvolvedor e escritor técnico

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