AI Slop: Gatos, Bebês e o Dilúvio Digital do YouTube

Imagine uma novela dramática estrelada por gatos com feições humanas, ou um bebê astronauta em apuros flutuando no espaço. Parece roteiro de um pesadelo febril ou de um desenho animado excêntrico, mas essas são as novas realidades que estão inundando o YouTube, impulsionadas pela inteligência artificial. O fenômeno, batizado de ‘AI Slop’ (ou 'ralé de IA', em tradução livre), não é apenas bizarro; ele representa uma mudança sísmica na paisagem do conteúdo online, levantando questões sobre qualidade, autenticidade e o futuro das plataformas digitais.
De acordo com uma análise recente do jornal britânico The Guardian, baseada em dados da empresa de análise Playboard, quase um em cada dez dos canais que mais crescem globalmente no YouTube em julho de 2025 apresenta conteúdo exclusivamente gerado por inteligência artificial. Isso significa que vídeos criados sem intervenção humana significativa estão se espalhando a uma velocidade impressionante, capturando milhões de visualizações e assinantes.
O Fenômeno do 'AI Slop' e Sua Origem
O termo 'AI Slop' foi cunhado em 2022 pelo ensaísta e ativista Cory Doctorow para descrever o declínio da qualidade da experiência online dos usuários, à medida que as plataformas priorizam o lucro em detrimento da oferta de conteúdo de alta qualidade. No contexto do vídeo, refere-se a conteúdo gerado por IA que é massivamente produzido, de baixa qualidade, surreal, estranho ou até mesmo grotesco. Dr. Akhil Bhardwaj, professor associado na University of Bath, descreve o 'AI slop' como 'inundando a internet com conteúdo que é essencialmente lixo'.
Os Exemplos Mais Bizarros
Os canais impulsionados por IA oferecem uma variedade surpreendente de narrativas. Um dos exemplos mais citados pelo Guardian é o de um bebê engatinhando para dentro de um foguete espacial prestes a decolar, com um canal dedicado a essa premissa acumulando 1,6 milhão de inscritos. Outro caso notável é o 'Super Cat League', que ostenta 3,9 milhões de assinantes e apresenta melodramas com gatos humanizados, que se envolvem em casos amorosos e, em uma cena particularmente bizarra, chegam a derrubar e desmembrar uma águia. Nem mesmo personalidades da vida real escapam: há vídeos de Cristiano Ronaldo como um zumbi, explorando uma faceta completamente inesperada do ícone do futebol.
A Tecnologia Por Trás da Loucura Digital
O surgimento dessa avalanche de vídeos gerados por IA foi catalisado pelo lançamento de ferramentas poderosas de geração de vídeo. Entre elas, destacam-se o Veo 3 do Google (anteriormente conhecido como Veo, mas a referência no artigo do Guardian pode estar atualizada) e o Grok Imagine de Elon Musk, uma ferramenta ligada à sua empresa de IA xAI. Essas tecnologias permitem que criadores (ou algoritmos) gerem cenas complexas, personagens e narrativas com uma facilidade sem precedentes, barateando a produção e possibilitando um volume de conteúdo que seria impensável com métodos tradicionais.
A Resposta do YouTube e o Futuro da Plataforma
Diante do crescimento do 'AI Slop', o YouTube, propriedade da Alphabet (empresa-mãe do Google), tem tentado conter o dilúvio. A plataforma afirma que todo o conteúdo carregado está sujeito às suas diretrizes da comunidade, independentemente de como foi gerado. Além disso, o YouTube busca barrar o compartilhamento de receita de anúncios com canais que publicam conteúdo repetitivo e 'não autêntico', uma política claramente direcionada ao conteúdo de IA de baixa qualidade.
No entanto, o desafio é imenso. A proliferação do 'AI Slop' não apenas desvaloriza o trabalho de criadores humanos que investem tempo e esforço na produção de conteúdo original e de alta qualidade, mas também pode levar à 'enshittification' – um termo de Doctorow para descrever a degradação generalizada de plataformas online que priorizam a monetização sobre a qualidade da experiência do usuário.
O futuro do YouTube e de outras plataformas de conteúdo dependerá de sua capacidade de equilibrar a inovação tecnológica com a manutenção de um ambiente online saudável e valioso para os usuários. A questão central permanece: em um mundo onde a IA pode gerar qualquer coisa, o que realmente terá valor?
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